Rock in Rio 2018: O terceiro dia


O terceiro dia da 8ª edição do Rock in Rio marcou o início do segundo e último fim-de-semana do festival. Um dia dedicado ao rock nacional e internacional, com o pesar lírico de Manel Cruz, o tristemente feliz dos Capitão Fausto, a união patriota de Xutos e Pontapés, a selvajaria de Revenge of the 90s e o indie rock agitado dos The Killers.

A voz melancólica de Manel Cruz pareceu ter sido escolhida a dedo para acompanhar o cenário chuvoso que caiu sobre a Cidade do Rock. Manel não é, de longe, um nome estranho para os seguidores do panorama musical português (não falássemos da voz de Ornatos Violeta, Supernada, Pluto e Foge, Foge, Bandido), mas apenas os mais resistentes discípulos suportaram a chuva fria do Music Valley, que não deu tréguas durante um único minuto. O público, mais do que suficiente para aceitar a oferta de mil cervejas e um ice tea feita pelo cantor nos momentos finais do concerto, não desarredou pé, protegendo-se com impermeáveis ou até mesmo com os sofás vermelhos, presentes por todo o recinto. Com um disco previsto para o final do verão, o artista começou por apresentar parte do seu novo trabalho, Cães e Ossos. O traço feminista foi evidente: Manel disse "a minha mulher não é minha, é da sua cabeça" e abriu assim a porta para o alternar entre a familiaridade dos antigos temas e a expectativa dos que aí vêm. Seguiu-se Cães e Ossos, faixa que dá nome ao novo álbum e é o mais recente single lançado. Estes, acompanhados de outros temas desconhecidos, deixaram um pequeno sabor do que se poderá esperar do novo trabalho em nome próprio do cantor. Contudo, foram os mais conhecidos êxitos que fizeram o público vibrar: desde Ainda Não Acabei, que deixou todos a bater o pé, a O Maluco, já companhia de longa data, poucos eram aqueles que não sabiam as letras do incontornável Bandido. As interações pontuais com aqueles que o ouviam garantiram que a descontração tivesse sido palavra de ordem, mesmo que as letras pesadas o possam contradizer. O encore, o só mais uma, só mais uma, teve direito a Borboleta e a Capitão Romance, um dos maiores hinos de Ornatos Violeta. Não ficámos para as mil cervejas, muito menos para o ice tea, mas torna-se difícil passar por um festival e não rumar instintivamente à missa agitada de Manel Cruz.

Manel Cruz @ Rock in Rio Lisboa 2018

Se poucos foram aqueles que se reuniram para presenciar Manel Cruz, o mesmo não se pode dizer de Capitão Fausto. Os quatro rapazes de Alvalade rumaram à Bela Vista e não se esqueceram de dar boleia a Luís Severo pelo caminho. A oportunidade de agitar o corpo surgiu com os primeiros acordes de Célebre Batalha de Fomariz, oriunda do segundo disco Pesar o Sol (2014), e o concerto continuou com faixas do álbum Capitão Fausto Têm os Dias Contados (2016), intercaladas com trabalhos mais antigos, não enferrujados por tão bem acompanharem todos os espectáculos da banda. Surpresa para alguns, expectativa para outros, chamaram ao palco o seu próprio Marcelo Rebelo de Sousa: Luís Severo, também parte da editora Cuca Monga. Aquela que poderia parecer uma combinação, no mínimo, estranha acabou por transformar-se numa colaboração acertada, que poderia muito bem voltar a repetir-se. Não só de Capitão Fausto se fez o concerto: deram a luz e o microfone do Music Valley a Severo, que trouxe consigo Planície (Tudo Igual), Amor e Verdade e Boa Companhia e as partilhou com Tomás Wallenstein, cuja voz já tinha tido melhores dias, algo que o próprio referiu com o avançar do espectáculo. Em conjunto, cantaram ainda Alvalade Chama Por Mim e foi a deixa para a despedida de Luís Severo. Amanhã Tou Melhor continua a ser um dos maiores sucessos, agora acompanhada com Sempre Bem, pertencente ao novo álbum A Invenção do Dia Claro, a ser lançado este ano. Mestres de fazer dançar com os ritmos alegres e entristecer com a verdade crua das letras, mereciam pisar o Palco Mundo. Talvez numa próxima edição?

Capitão Fausto @ Rock in Rio Lisboa 2018

Os ícones Xutos e Pontapés ocuparam o Palco Mundo, a marcar presença em mais uma edição do festival. Se existe banda portuguesa que é parte do repertório de todas as gerações, é Xutos e Pontapés: desde Queimas das Fitas, passando por festas populares, até ao Palco Mundo do Rock in Rio, é impossível não conhecer os pais do rock português. Pela primeira vez na Cidade do Rock sem Zé Pedro, que faleceu no ano passado, o espectáculo contou com presenças incomuns: representantes de Estado, como o presidente da república Marcelo Rebelo de Sousa e o primeiro ministro António Costa, acompanharam o concerto, ocupando o palco para cantar A Minha Casinha, junto de outras figuras públicas, amigas do guitarrista e fundador da banda. Para além deste momento memorável, escusado será dizer que as restantes músicas tocadas estiveram na ponta da língua de fãs e meros conhecedores: À Minha Maneira foi o ponto de partida, com Não Sou o Único, Homem do Leme e Ai Se Ele Cai a garantir um público de uma só voz.

Como nem só de Xutos e Pontapés se constrói a nostalgia, do outro lado do recinto a festa fez-se com Revenge of the 90s. O Music Valley foi invadido por Welcome to the Jungle, com os sons da selva a ecoar através dos êxitos dos anos 90, tão bem conhecidos não só pelos 90s kids, como também por aqueles que os sucedem. Para aqueles que não estão familiarizados com o conceito da Revenge of the 90s, esta surgiu pelas mãos de André Henriques, Paulo Silver, Miguel Galão, Miguel Henriques e Hugo Castanheira e é uma "viagem sensorial aos anos 90, música, cheiros, sabores, texturas", segundo a página de Facebook. Se estas festas costumam definir-se pelo secretismo e pela rapidez com que esgotam, o mesmo não se pode dizer do espectáculo no Rock in Rio: uma festa a céu aberto, onde a própria chuva decidiu marcar presença, e que levou o Music Valley a dançar sem parar. Como se a quantidade de letras que conseguiam acompanhar de trás para a frente e de frente para trás não fosse suficiente para garantir que os noventeiros saíam de cabeça mais leve e pernas mais pesadas, subiram ao palco as Nonstop, girls band portuguesa, vozes de êxitos como Ao Limite Eu Vou, e Haddaway, artista alemão conhecido por What is Love, um dos maiores marcos do eurodance. Foi um regresso à época que tanto preenche o coração dos festivaleiros de hoje, um recordar abraçado por todos aqueles que têm a última década do século XX como exemplo da verdadeira diversão.

Revenge of the 90's @ Rock in Rio Lisboa 2018

Como a festa se faz do princípio e The Killers sabem-no melhor que ninguém, trouxeram-na de Las Vegas e, com The Man e muitos confettis, deram início ao primeiro concerto em solo português desde 2013. Enganem-se aqueles que acharam que a festa daria sinais de enfraquecer: Somebody Told Me atingiu o público com a energia característica das músicas que fizeram parte da playlist de qualquer pessoa, que cantou a plenos pulmões e não ficou com os pés no chão. Foi uma setlist feita para as massas, com uma Smile Like You Mean It construída pela tensão expectante do You understand what I am saying? I'm not sure everyone gets it! Listen! Are we on the same page? ou uma Human robotizada, deixando Wonderful Wonderful (2017) para segundo plano. Brandon Flowers foi feito para estar em cima do palco: poucos foram aqueles que não ficaram rendidos à sua presença, ao seu português inesperado, com o seu bem vindos ao nosso maravilhoso espectáculo. E que espectáculo esse! Não faltou Mr. Brightside, mas podem crer que faltou mais tempo para dançar tudo o que podíamos ter dançado com os rapazes provenientes da cidade dos casinos.

Rock in Rio Lisboa 2018: 3º dia - ambiente

Texto: Carina Soares
Fotos: Iris Cabaça
Rock in Rio 2018: O terceiro dia Rock in Rio 2018: O terceiro dia Reviewed by Carina Soares on julho 06, 2018 Rating: 5

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