Rock in Rio 2018: O último dia


Num dia marcado pela presença feminina no Palco Mundo, os festivaleiros rumaram à Cidade do Rock para fechar mais uma edição do Rock in Rio Lisboa. Nem tudo parou com o Mundial de Futebol e, deste lado, ficámos de olhos postos nas atuações de Selma UamusseCarlãoIvete Sangalo, Jessie JBlaya Katy Perry.

Foi com Selma Uamusse que se viajou do Parque da Bela Vista a Moçambique e nem foi preciso sair da EDP Rock Street. A cantora podia até ter passado despercebida no meio de tantas vozes que promoviam o jogo da Selecção Nacional, que estava previsto para dentro de poucas horas; porém, poucos eram aqueles que por ali passavam e decidiam não ficar. Era difícil não ser atraído pela poderosa capacidade vocal de Selma: mistura hangana e chope - línguas da sua terra natal-, transforma a sua música numa experiência multicultural e apresenta várias influências melódicas num espectáculo convidativo. Ficar sentado à sombra não foi opção, afinal que melhor maneira de arrancar o dia do que através de um pé de dança? Foi isso que a artista convidou a audiência a fazer: dançar, não importa bem ou mal. A batida era contagiante, quase tanto como a energia da cantora, que desceu do palco e se juntou àqueles que por lá dançavam. Indo mais longe, convidou até um elemento do público a fazer a festa com ela. Foi um espectáculo de movimento, de companheirismo, de aproximação às raízes da artista. Se o dia mal tinha começado às 15h15, este foi um bom ponto de partida.

Selma Uamusse @ Rock in Rio Lisboa 2018

Carlão, nome incontornável da música nacional, chegou para fazer baixar a colina do Music Valley. O músico cantou temas do seu álbum Quarenta (2015), tais como o politizado Colarinho Branco e o mais conhecido dos últimos tempos Os Tais. Como nem só da velha guarda se faz o hip hop nacional e o talento das novas gerações deve ser anunciado, como se falássemos da escola de Carlão, Slow J subiu ao palco para atuar ao lado de uma das suas notórias inspirações. A música cantada fará parte do novo disco de Carlão, Entretenimento?, que sairá em setembro. No final, o artista presenteou a audiência com Dialectos da Ternura, música dos Da Weasel, num remix feito pelos Buraka Som Sistema. Uma homenagem que pôs todos a cantar.

Carlão @ Rock in Rio Lisboa 2018

Que atire a primeira pedra quem não sabe cantar os grandes êxitos de Quim Barreiros ou quem nunca quis buzinar o Calhambeque bi-bi. Com mais ou menos vergonha de o admitir, não há pimba que não se saiba cantar. Imaginem pegar nesses tesouros, fazer as pazes com o pimba e o hip hop e transformá-los em Trap Pimba (2017), álbum de Dois Brancos e Um Preto. O trio é formado pelos youtubers portugueses, ConguitoNurb Pakistan, projectados para o sucesso logo no primeiro singleCalhambeque, que conta com a participação inesperada de Lili Caneçassocialite portuguesa, a acarinhada tia Lili. Escusado será dizer que todos esperavam pela "aparição" de Lili Caneças, algo que não passou despercebido e levou Conguito a dizer que seria preciso ficar mais algum tempo porque, caso contrário, o público se iria logo embora. Acompanhar o alinhamento parecia quase natural, como se as letras estivessem já na ponta da língua; até tivemos direito a um conjunto de músicas quase gastronómicas e Pakistan a passar para o outro lado da grade. O ponto alto foi, sem dúvida, tia Lili e mentiríamos se outra coisa fosse dita: foi pela mão de Conguito que chegou, pisou o palco com um vestido espampanante, ao som de gritos e aplausos vindos do público, e arrasou como só Lili sabe.

Dois Brancos E Um Preto com Lili Caneças @ Rock in Rio Lisboa 2018

Move multidões e levanta poeira por onde passa. Falamos de Ivete Sangalo, um nome quase transversal aos cartazes do Rock in Rio Lisboa. Já existe um sentimento de familiaridade face aos shows da artista brasileira; esta é a primeira a dizer que se sente em casa no nosso país e já não dispensa um bom pastel de Belém. Até os próprios filhos perguntam se não podem fazer-lhe companhia quando o assunto é Lisboa. Trouxe ao espectáculo aquilo a que já habituou o público português: muita alegria, muita dança, muita energia. Trouxe hits mais antigos, como PoeiraSorte GrandeAbalou ou Beleza Rara; trouxe hits mais recentes, como No Groove com o pega, pega, pega tão ritmado. As expectativas cresceram a olhos vistos quando começou a falar da oportunidade de trabalhar com aqueles que admira e construir uma amizade com eles... para introduzir Daniela Mercury. O Canto da Cidade ecoou pela Cidade do Rock com estas duas mulheres-furacão. Sempre com o coração no Brasil, volta a perguntar se não podemos celebrar com ela no Carnaval da Bahia; que bom que era, Ivete, que bom que era!

Com apenas um coração gigante em palco, Jessie J foi capaz de conquistar o coração de milhares de festivaleiros. A humildade com que pisou o Palco Mundo contribuiu para se ter tornado num dos principais destaques da noite. Foi com a bandeira portuguesa nos braços, tal super heroína, que chegou para conquistar a Bela Vista. Não querendo lágrimas desde o princípio, a cantora abriu o jogo com músicas mais animadas, como Do It Like A Dude, Play ou Domino (Let's see if you know this one!), e quis ver todos a dançar. Em constante contacto com o público, relembrou o último concerto em Portugal como um dos seus favoritos e não poupou nos agradecimentos, nos incentivos e nos sorrisos. Num tom mais íntimo, Jessie expressou gratidão por ter oportunidade de cantar para si e para os outros e relembrou que ninguém pode viver sem errar, numa introdução à acústica Nobody's PerfectJessica Ellen Cornish não quer ser perfeita, não deixa de mencionar várias vezes que não é mais do que um ser humano como aqueles que estão a cantar as suas letras e procura transparecer proximidade em todos os momentos possíveis. Emocionou o público com a sua mensagem sobre a música como escapatória, sobre a necessidade de não exigir demasiado de si própria com Who You Are, inocentemente distraída pelos festivaleiros que passavam pelo slide. Foi um concerto de emoção, de empoderamento, de aceitação. Não faltaram as palavras certas e os abraços apertados, depois de um Please don't hurt my arm cantado com a maior naturalidade, aliado ao riso subtil da multidão. Encheu o coração e a alma também. Fechou o concerto com Price Tag, um dos seus primeiros sucessos; só quis pôr o Rock in Rio a dançar e conseguiu.

Se pensaram que as vozes femininas poderosas tinham ficado só pelo Palco Mundo, Blaya veio provar o contrário. A artista moveu centenas de pessoas para o outro lado do recinto, num espectáculo que foi tudo ou mais o que era esperado: muita dança dentro e fora do palco, com inspiração funk, pessoas em palco e animação que pareceu não dar sinais de ter fim. O seu último hit, Faz Gostoso, chegou no princípio do concerto e voltou também no final, para terminar em beleza. Enquanto os bailarinos dançavam, os ouvidos estavam bem abertos para remixes de algumas das músicas mais marcantes do ano, como Bella Ciao e Que Tiro Foi Esse de Jojo Maronttinni. Não era um concerto da Blaya sem alguém a abanar o rabo, palavras da própria, e chegou a altura de chamar algumas mulheres do público ao palco. E chamou ainda um rapaz, Giovanni, para dar um curto espetáculo. Voltou a ouvir-se Buraka Som Sistema no Music Valley, com Vuvuzela (Carnaval)(We Stay) Up All Night Stoopid; um momento que fez vibrar todos os presentes. Não faltou tempo para se descobrir uma faceta mais carinhosa de Blaya: apresentou uma música dedicada à sua filha e fez-se acompanhar por um intérprete de língua gestual.

Blaya @ Rock in Rio Lisboa 2018

California Dreams Tour passou pelo nosso país há 7 anos e, desde aí, Katy Perry não voltou a marcar presença por cá. Foi Witness que veio apresentar e não é fácil falar daquilo que testemunhámos no Parque da Bela Vista. O equilíbrio entre a música e o espectáculo acabou por se perder: se falarmos de cenografia, a artista norte-americana leva a taça; se falarmos de musicalidade, não podemos dizer o mesmo. O investimento no entretenimento era notável, com a sucessiva mudança de cenários e figurinos ou a entrada e saída de figuras acessórias, como os flamingos gigantes ou o Left Shark. Com um alinhamento dividido em cinco atos, cada um com especificidades adaptadas à fase de carreira correspondente, foram muitas mudanças e pouca coesão no espectáculo. A confusão face ao que se desenrolava à frente dos olhos daqueles que assistiam ao concerto era evidente, mesmo em músicas tão bem conhecidas como Teenage DreamHot and Cold (Quente e Frio, como ensinado pelo público) ou I Kissed A Girl, momento de referência ao mês do Orgulho LGBT+. A electrónica excessiva favoreceu as músicas mais recentes e degradou as mais antigas, que pediam muito mais da sua génese. Não é possível ignorar a segurança de Katy Perry na imagem que verdadeiramente pretende transmitir ("I'm Katy Perry with a motherfucking haircut!"). Já não é a mesma e não tem medo de o mostrar. O concerto fica na memória pela originalidade quase circense e não pela qualidade vocal, que não esteve à altura das expectativas. Foi o último concerto da tour e o último concerto desta edição do Rock in Rio Lisboa 2018.

Rock in Rio Lisboa 2018: 4º dia - ambiente

Texto: Carina Soares
Fotos: Iris Cabaça
Rock in Rio 2018: O último dia Rock in Rio 2018: O último dia Reviewed by Carina Soares on julho 08, 2018 Rating: 5

Slideshow