Festival Iminente 2019: não acaba aqui


Por fim, chegou o último dia do Festival Iminente que durante os dias 19, 20, 21 e 22 de setembro trouxe nomes emergentes, alguns bastantes conhecidos e outros que não têm representação nos festivais nacionais, dando também importância à arte urbana no Panorâmico de Monsanto. Fado Bicha, Linn da Quebrada, Sreya e Beatbombers tiveram a oportunidade de atuar neste dia final.


Os Fado Bicha abriram o Palco Cave para mostrarem o seu fado nada convencional. O duo formado por Lila Fadista e João Caçador meteu o palco a tremer com as suas letras que falam sobre a comunidade LGBT+ e o tema do racismo, dois assuntos que nunca são representados neste género musical, com músicas como "Mulher do Fim do Mundo" e o "Namorico do André". As canções são acompanhadas pela voz de Lila Fadista juntamente com a guitarra elétrica de João Caçador e vieram marcar este início no último dia com um público atento e participativo a assistir. Desta forma, mostraram que o fado não tem de ser sempre alguém a cantar sobre músicas tristes vestida(o) de preto.

Fado Bicha @ Festival Iminente 2019

A seguir, foi altura de ver a performance de Odete apelidada "Anita Escorre de Branco" no Palco Mezzai. Uma apresentação onde a artista leu um texto impactante, representou e colocou um pouco de música à mistura. Mais uma vez, o festival a dar espaço a diferentes artes e artistas.

Anita Escorre de Branco by Odete @ Festival Iminente 2019

TRKZ trouxe um momento mais calmo ao Palco Cave. O artista moçambicano veio apresentar o seu mais recente álbum Storytellers, que foi editado este ano, e fez-se acompanhar por uma banda de seis músicos. Ailton José Matavela veio mostrar as suas músicas experimentais que levaram o público numa viagem pelas suas sonoridades serenas. Foi um bom concerto para se recuperar da correria do festival.

TRKZ @ Festival Iminente 2019

Chalo Correia animou o ambiente desde cedo com a sua sonoridade de música tradicional angola com uma abordagem mais moderna que liga a afrobeat e kuduro. Apesar de ainda ter pouca gente no recinto, os que lá estavam dançaram sem parar música atrás de música, não se deixando envergonhar. Num ambiente mais cheio e algo sufocante, Cachupa Psicadélica começou o seu concerto no Palco Escada, ainda enquanto Chalo terminava o concerto, o que dificultou a perceptibilidade das músicas, juntamente com a qualidade de som, que também ficou algo a desejar. Isso não impediu Lula’s e os seus companheiros de banda de prenderem tanta gente num espaço tão pequeno, espalhando pelos ouvidos do público as suas influências musicais cabo verdianas numa mistura híbrida com a cultura atual, chamando ainda ao palco o rapper Chullage, figura icónica nos primeiros passos do hip hop em Portugal, e Flak, dos Rádio Macau.

Cachupa Psicadélica @ Festival Iminente 2019

Entretanto, Sreya preparava-se para entrar em palco acompanhada de Primeira Dama nos coros, e de um par de muletas, pronta para atuar à frente de uma pequena multidão de gente, muitos deles seus amigos (deu para perceber nas dinâmicas entre a artista e o seu público) tendo em conta o horário em que a colocaram. Sempre bastante confortável, a artista do Cacém riu e dançou o máximo que conseguiu, mesmo com a perna partida, tocando clássicos como “Miúdo Normal” e “59 Estrelas”, e algumas músicas que vão integrar o seu próximo álbum, que revelou ser produzido em parceria com bejaflor e Primeira Dama, que apresentam uma sonoridade que se afasta mais dos beats a la Conan Osiris. Lá fora, os míticos cabo verdianos Bulimundo continuavam a festa de música africana, transportando-nos para a ilha africana no final dos anos 80, quando existiu uma explosão no movimento cultural do país.

Sreya @ Festival Iminente 2019

O Palco Cave transformou-se num espaço de ativismo completamente lotado com Linn da Quebrada. A artista brasileira, conhecida pelo seu forte carácter político e emancipatório, encarou de forma firme e direta o público, transmitindo claramente a sua mensagem: a liberdade para cada um ser como quer e quem quer sem ter de se preocupar com estar a correr risco de vida (basta olhar para a quantidade de transsexuais mortos no Brasil nos últimos anos), e a aceitação do outro independentemente da sua identidade ou aparência. Acompanhada por Badsista e Pininga nos pratos e Jup do Bairro a criar uma aura sombria em palco, pintando vários desenhos numa tela ao longo do concerto, dificilmente alguém esquecerá a energia que pairou neste concerto, onde se celebrou ser diferente e se condenou a intolerância. Além disso, a artista consegue sempre trazer um espetáculo diferente quando regressa a Portugal que fica cada vez melhor e é ainda mais interativo.

Linn da Quebrada @ Festival Iminente 2019

Para encerrar o palco outdoor desta edição, os Beatbombers prepararam um set especial. DJ Ride e Stereossauro pegaram nos pratos e nos drum pads para oferecerem ao público uma performance de três andamentos: Começaram com as suas músicas, entre as quais Depressa Demais e Puristas, com a presença de Ricardo Gordo a acompanhar as faixas com a sua guitarra portuguesa, e ainda com Chullage e Nerve a subirem ao palco para tocarem FFFFF, Ingrato e Lápide; seguiram depois para um tributo aos 40 anos de história do hip hop, condensando em menos de dez minutos todas as vozes importantes do hip hop, desde NWA e Lauryn Hill a Chance The Rapper, que fluiram como se todos esses curtos samples pertencessem à mesma música; e por fim, tocaram parte do set que os tornou vencedores do campeonato do mundo de scratch e turntablism. Houve ainda espaço para exibirem a qualidade técnica pela qual são tão reconhecidas, que pudemos observar em primeira mão através de uma câmara apontada ao “espaço de trabalho” de DJ Ride, que às vezes não conseguia acompanhar a velocidade das suas mãos.

Beatbombers @ Festival Iminente 2019

Para fechar o festival, Badsista pegou de novos nos pratos e forneceu-nos uma mistura entre techno e funk, com a aparição dos membros da performance de Linn da Quebrada, que transformaram a cave numa sauna, terminando assim em grande com esta edição do festival.

Badsista @ Festival Iminente 2019

É de salientar a importância que este festival tem no crescimento de jovens artistas portugueses, assim como na representação das mais variadas formas na qual a arte urbana se manifesta. O Iminente continua a ser o principal festival com um vasto leque de artistas que se expressam em crioulo, que fazem parte da uma cultura que é consecutivamente discriminada. São raras as oportunidades dadas a estes músicos que, por mais visualizações ou streams que tenham, não estão nos cartazes dos grandes festivais. A importância de lutar contra esta corrente é crucial numa altura em que o rap está a ganhar o seu terreno, como vemos nos casos de Julinho KSD e Vado Ma Ki Às que dominaram este verão. É impossível separar o espaço político da cultura, ambas andam de mãos dadas, e o Festival Iminente continua a ser um excelente exemplo de como abordar questões sociais através da arte.

Texto: Francisco Couto & Iris Cabaça
Fotos: Iris Cabaça
Festival Iminente 2019: não acaba aqui Festival Iminente 2019: não acaba aqui Reviewed by Watch and Listen on outubro 02, 2019 Rating: 5

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