NOS Primavera Sound 2022: Dia 1 - o grande regresso ao Parque da Cidade


Depois de duas edições adiadas pela pandemia, o Parque da Cidade do Porto voltou a encher-se de gente a pisar a relva para fazer parte da edição de 2022 do NOS Primavera Sound. A este regresso juntou-se um recinto de maior dimensão, com mais palcos, mais pessoas e mais espaços para viver novamente a experiência já esquecida de um festival de verão. Com dois dias esgotados - 09 e 11 de junho -, era prometido o reencontro com aqueles amigos a quem se diz o clássico "Paga finos no Primavera" - depois de dois anos de pausa, é preciso voltar à Super Bock fresquinha ao fim do dia enquanto se espera pelo próximo artista.

 

Pedro Mafama abriu o palco principal do festival. Veio ao Porto já com um álbum de estreia, Por Este Rio Abaixo, lançado o ano passado. Não deixou em branco o facto de ter estado do outro lado em anos anteriores, a ver alguns dos artistas que mais admira, e agora estar a tocar nesta edição do festival.  Com ele, chegou um autotune quase constante - na maior parte dos casos, algo que pode soar a um problema, mas Mafama transforma-o numa dimensão característica da música que leva a palco. Do alinhamento, fizeram parte músicas de uma fase inicial da sua carreira, como "Lacrau" - pela agitação geral, a favorita do público que dançava perto do palco - ou "Jazigo", e também músicas do seu mais recente trabalho, nomeadamente "Estaleiro", "Algo Para a Dor" e "Contra A Maré". Pedro Mafama é um dos artistas que mais tem despertado a atenção do público português, misturando a dimensão folclórica tão conhecida da cultura nacional com a sonoridade da música urbana e eletrónica. 

 

Pedro Mafama @ NOS Primavera Sound 2022 

A australiana Stella Donnelly ocupou o palco NOS para substituir Japanese Breakfast, cujo cancelamento foi anunciado há umas semanas e justificado com "razões logísticas" - a incompatibilidade entre as datas europeias e a tour americana. Foi uma das surpresas deste dia, mostrando um à vontade sorridente perante o público que se reunia ao fim da tarde no relvado. Para além de temas originais como "Lungs", single que nos deixa espreitar um pouco do próximo álbum, ou "Season's Greatings" e "Boys Will Be Boys" do álbum Beware of the Dog (2019), a artista indie folk fez um cover de "Love is in the Air" de John Paul Young. Donnelly conseguiu meter o Primavera a gritar um "I don’t wanna die" em loop e foi difícil não ficar envolvido pela atmosfera tão acolhedora que tão bem definiu a sua atuação. Não deixou de agradecer a energia do público e ainda acrescentou que seria difícil para o Primavera Sound, a acontecer em Barcelona, ultrapassar o que viveu neste concerto. O seu próximo álbum Flood sai a 26 de agosto deste ano. 

 

Stella Donnelly @ NOS Primavera Sound 2022  

 

Sky Ferreira foi uma das confirmações mais improváveis deste cartaz. Depois do seu álbum de estreia Night Time, My Time (2013), que prometia ser o lançamento bem sucedido de uma artista indie, admirada pela postura irreverente, Sky desapareceu do mapa durante dez anos, excepto para algumas colaborações pontuais com nomes como Charli XCX, DIIV e Iceage. O seu regresso está marcado pelo single "Don't Forget", que foi lançado no mês passado, a 25 de maio. Ainda assim, o palco Super Bock conseguiu reunir um número considerável de fãs que procuravam finalmente a oportunidade de assistir a um espetáculo da artista, depois da última passagem por Portugal ter sido em 2014, no mesmo festival. A atuação começou com mais de vinte minutos de atraso, o que levantou o burburinho sobre a possibilidade de haver um cancelamento de última hora e a consequente preocupação dos fãs, que gritavam "Sky! Sky! Sky!" enquanto ninguém aparecia no palco. Sky aparece em palco com a postura meio awkward, meio i don't really give a damn que sempre fez parte da sua personalidade enquanto artista e começa o concerto com um simples Hi. Interagiu minimamente com os fãs, dizendo que já tinha passado um tempinho desde a última vez que tinha feito um concerto, notando-se um certo nervosismo na voz, e o alinhamento começou com "Boys", que foi suficiente para que os fãs perdoassem o começo tardio. Foi com "24 Hours" e "Nobody Asked Me (If I Was Okay)" que o público se fez ouvir e gritou o refrão respetivo em resposta. Foi também a primeira vez que Sky cantou o novo single "Don't Forget" ao vivo e apresentou "Innocent Kind". No alinhamento oficial, que teria sido completo se não tivessem existido atrasos, estavam previstos alguns dos maiores hits da cantora - como "Everything is Embarassing" ou "I Blame Myself". Para confusão do público, o concerto terminou abruptamente para dar inicio ao cabeça de cartaz Nick Cave and The Bad Seeds ao Palco NOS. Apesar de este último ser garantidamente o maior nome do dia, parte dos presentes em Sky Ferreira questionou o porquê de o concerto ter de parar obrigatoriamente. Sky Ferreira não se despediu do público e deixou em aberto um espetáculo que não correu da melhor forma, mas que serviu para mostrar que o retorno à música está para breve. 

 

Sky Ferreira @ NOS Primavera Sound 2022  

Cigarettes After Sex passaram pela segunda vez pelo NOS Primavera Sound, depois de uma primeira atuação em 2017. Desta vez no Palco Cupra, a melancolia da banda de Greg Gonzalez foi atrativa para milhares de pessoas que se apressaram a sair do palco principal depois de Nick Cave and The Bad Seeds e rumaram ao lado oposto do recinto. Como já nos habituaram, esta foi uma atuação marcada pelo sentimentalismo, tão característico do repertório dos norte-americanos. Cigarettes After Sex relembra a emoção no seu estado mais intenso, talvez associada à suavidade dos instrumentais que contrasta com as letras que parecem ser arrancadas da alma, roçando um pouco na toxicidade de um amor que é demasiado  intenso e sem limites. No alinhamento, ouviram-se temas como o single "Affection" (2015), "Apocalypse" ou "K.", ambas do álbum Cigarettes After Sex (2017), "Heavenly" e "Falling In Love", ambas do mais recente álbum Cry (2019).

 


No palco Super Bock praticamente às escuras, o Mura Musa estreou-se finalmente em Portugal, depois de ter cancelado o seu concerto no mesmo festival em 2019, uma estreia que já devia ter acontecido mesmo antes desse ano. Durante o DJ set, o artista britânico apresentou um género de best of da sua carreira, passando pelos temas mais conhecidos, os mais recentes e os mais antigos. Acompanhado por três cantoras para fazerem as vozes dos artistas convidados em cada tema, ouviu-se e dançou-se ao som de “Nuggets”, “1 Night”, “Love$ick” e “Firefly”. E ainda “Lotus Eater”, dedicada aos fãs que o acompanham desde o princípio. Talvez se Georgia não tivesse cancelado, haveria a hipótese de ambos atuarem juntos “Live Like We’re Dancing”. A seguir aos singles mais pop e eletrónicos, foi a vez da sua sonoridade mais punk, apresentada em R.Y.C (2020), com “I Don’t Think I Can Do This Again” originalmente com Clairo, e “Deal Wiv It” com Slowthai, onde deixou o set que tinha montado e pegou na sua guitarra. Uma espera demorada, mas que valeu a pena esta viagem por algumas das suas melhores músicas. 

 

Mura Masa @ NOS Primavera Sound 2022

 

Ao mesmo tempo dos Tame Impala, apenas com uma diferença de 5 minutos, Caroline Polachek encontrava-se mais em cima, no Palco Binance, que podia estar mais cheio se não fosse esta sobreposição de concertos. Apesar disso, muitos eram os fãs que se encontravam nas primeiras filas para verem a sua estreia a solo num palco nacional, após passar pelo mesmo festival com o seu ex-colega Patrick Wimberly dos Chairlift em 2016. Abriu com “Pang”, do álbum de 2019 com o mesmo título, e durante cerca de 50 minutos, mostrou alguns dos maiores hinos do seu primeiro trabalho a solo, os seus singles mais recentes e novos temas. “New Normal” e “It Me Where It Hurts” continuaram as honras do que se seguiria. Em “Ocean of Tears”, a artista mostrou os seus melhores dotes vocais com as belas harmonias que se ouviram e com o público a conseguir acompanhá-la apenas no refrão. Outro ponto alto, foi o cover de “Breathless” das The Corrs. Mal se ouviu os primeiros acordes e letra de “Bunny Is A Rider”, foi recebida bastante bem com o público a cantá-la desde o início. Antes de “Parachute”, contou a história sobre o pesadelo que a levou a escrever a letra da canção. Ainda houve espaço para duas músicas novas, “Sunset”, que devia ser lançada este verão porque seria a altura ideal, e “Smoke”. Para o final, ficaram “Caroline Shut Up”, onde se avistou alguns dos membros dos black midi no meio do público, e a já icónica “So Hot You’re Hurting My Feelings”. Mesmo a competir com um dos maiores nomes no cartaz deste ano, Caroline Polachek esteve à altura do desafio com a sua voz perfeita, a interação com o público e este a cantar as músicas de volta, proporcionando um belo momento para quem optou por esta escolha. 

 

Caroline Polachek @ NOS Primavera Sound 2022

 

Com uma introdução digna de indústria distópica de um filme de ficção científica, Tame Impala convidaram o público a embarcar numa viagem temporal pelas diferentes dimensões do seu mais recente álbum The Slow Rush (2022). É quase como se a banda australiana nos convidasse a alterar a nossa perceção da realidade e da forma como o tempo passa quando ouvimos os seus quatro álbuns, que os tornaram numa das bandas mais conhecidas não só no público alternativo, mas também já alcançando um público mais mainstream. Para abrir as portas do universo pop rock psicadélico dos australianos, o concerto arrancou com "One More Year", seguida de "Borderline", que transformou a energia do público. No caminho desta viagem, o vocalista Kevin Parker levou-nos também até ao universo do segundo álbum, Lonerism (2012). Este foi um dos álbuns que mais definiu a sonoridade dos Tame Impala perante o público alternativo, para além do álbum de estreia Innerspeaker. Não admira que temas como "Apocalypse Dreams", "Elephant" ou "Mind Mischief" deixem no ar aquela nostalgia miudinha de uns Tame Impala com um estilo mais neopsicadélico, mais longe do synth pop do Currents (2015). Para muitos, o álbum de 2015 veio quebrar a fidelidade às origens da banda, mas serviu também para atrair novos públicos e, para Parker, serviu para alcançar uma nova sonoridade, mais fiel ao que a banda procura fazer nos últimos anos: o dream pop e o pop psicadélico deram a mão ao R&B e ao disco, repleto de sintetizadores. Não é possível ignorar o impacto que a música "Feels Like We Only Go Backwards" continua a ter na atitude do público, que gritou a plenos pulmões e não conseguiu ficar parado. Este concerto destacou-se sobretudo pelos efeitos visuais, que transformaram o céu do Parque da Cidade numa tela a céu aberto. Numa mistura entre as luzes coloridas que invadiram o espaço por cima da cabeça dos festivaleiros e o círculo de luzes que baixou por cima da banda, para além das imagens dos ecrãs que parecem tiradas de uma trip psicadélica, Tame Impala já habituaram o público português a um espectáculo que permite conhecer todas as realidades da música da banda australiana, sem sair do lugar e onde os únicos limites são os da imaginação. Kevin Parker elogiou a cerveja portuguesa, mostrando-se fã de Super Bock, e a audiência manifestou a mesma opinião. O espectáculo terminou com "The Less I Know The Better" e "New Person, Same Old Mistakes". Foi o aguardado regresso da banda australiana a Portugal, depois da passagem pela edição de 2016 do NOS Alive.

 

 

Texto: Carina Soares & Iris Cabaça
Fotos: Iris Cabaça & Hugo Lima

NOS Primavera Sound 2022: Dia 1 - o grande regresso ao Parque da Cidade NOS Primavera Sound 2022: Dia 1 - o grande regresso ao Parque da Cidade Reviewed by Carina Soares on junho 13, 2022 Rating: 5

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