NOS Primavera Sound 2022: Dia 2 - o trono de Rina Sawayama


 
No segundo dia do NOS Primavera Sound, o único dia não esgotado da edição de 2022, o recinto estava razoavelmente menos cheio, mas ainda assim não deixaram de se fazer ouvir as vozes de milhares de festivaleiros que rumaram ao Parque da Cidade para mais um dia. No 10 de junho, fizeram parte do cartaz nomes como Slowdive, Beck, Pavement, Rina Sawayama e King Krule.

A estreia dos norte-americanos Beach Bunny fez-se no palco NOS. O primeiro concerto da tarde levou centenas de festivaleiros até ao relvado, onde a maioria decidiu que este era o género de concerto que pedia para ser visto sentado. Ainda não se tinha ouvido uma primeira música e a vocalista Lili Trifilio já perguntava ao público se podia fazer uma pequenina atividade: pediu a todos para se baixarem e saltarem quando a música começasse. Beach Bunny não eram dos nomes mais conhecidos do público, apesar de ainda juntarem uns quantos fãs perto das grades, o que não impediu que não fosse um concerto bastante catchy e com uma sonoridade agradável. É o concerto perfeito para abrir o palco de um festival, assim com a calma energética que o fim de tarde costuma pedir. Ainda assim, é impossível separar o Tik Tok da banda norte-americana: foi com o single "Prom Queen", do EP de 2018 com o mesmo nome, e com a música Cloud 9, do álbum de estreia Honeymoon (2020), que a banda viu o seu sucesso a começar, ambos música para o background de várias tendências da rede social, talvez umas mais românticas do que outras. Não foi de estranhar que o público tenha dançado e cantado com aquele burburinho de «but when he loves me I feel like I'm floating, when he calls me pretty I feel like somebody», tão familiar para quem é utilizador recorrente do Tik Tok. Apesar de este ter sido o meio de lançamento para muitos dos maiores artistas da atualidade, é o talento de Beach Bunny e o à vontade da banda em palco, saltando de um lado para o outro e interagindo com o público sempre com um sorriso de orelha a orelha, que faz com que a audiência não tire os olhos do palco e aproveite para relaxar com um dos primeiros concertos do dia. No alinhamento, houve um equilíbrio quase perfeito entre temas lançados em EPs numa fase inicial - ANIMALISM, Prom Queen e Blame Game, dos quais fazem parte as músicas "6 Weeks" ou "Good Girls" (Don't Get Used) -, assim como temas do álbum de estreia, entre os quais "Promises" e "Dream Boy". Do novo álbum Emotional Creature, que vai sair em julho deste ano, a banda tocou "Oxygen". Sem dúvida, um dos nomes que vão fazer parte das próximas playlists do mês de junho.
 

Beach Bunny @ NOS Primavera Sound 2022 
 
Rina Sawayama foi o concerto mais surpreendente do segundo dia do festival. Ainda que as expectativas para a estreia da artista em Portugal já estivessem altíssimas, torna-se difícil descrever um concerto como o que Sawayama apresentou ao fim da tarde no palco Cupra. A julgar pelas centenas de fãs que entraram no festival e se dirigiram diretamente às grades, pelas centenas de pessoas que compraram bilhete exclusivamente para ver Rina Sawayama, o palco Cupra até pareceu pequeno para a explosão de energia da artista de origem japonesa e britânica. O espectáculo trouxe a palco uma banda e um conjunto de dançarinas a acompanhar a cantora e arrancou com o tema "Dynasty". Logo na primeira música, a voz de Sawayama deixou qualquer um dos presentes de boca aberta e foi suficiente para fazer o público gritar e enaltecer a artista a plenos pulmões. Seguiu-se o tema "STFU!", que é uma das provas de que a música da artista não se prende por um determinado estilo, onde Rina abraça o rock e a guitarra eléctrica. A audiência, que já estava meio que a delirar com a presença da cantora, atinge um dos seus picos com "Comme Des Garçons (Like The Boys)": uma das músicas mais conhecidas da artista, que transformou o piso de alcatrão numa pista de dança. Sawayama interagiu com o público, dizendo que a próxima música era sobre depressão e riu-se, num humor negro tão típico das novas gerações queer, antes de arrancar com "Akasaka Sad". E por falar em gerações queer, Rina não deixou de relembrar que Junho é Pride Month: pediu para todos aqueles na audiência, que tal como ela, se identificam como membros da comunidade LGBTQIA+ para gritarem e meterem os braços no ar, e não deixou de pedir para todos os allies para gritarem também, separadamente. Os gritos foram quase ensurdecedores na primeira parte, deixando bem assente que os concertos de Rina Sawayama representam um espaço seguro para a comunidade queer. A cantora fez questão de mencionar que não só em Junho se faz esta comunidade e que é essencial lutar pelo espaço, pela representação constante. A julgar pelos gritos e pela quantidade de bandeiras no ar, a opinião é geral. Apesar de muitos descreverem Sawayama como a próxima diva da música, a artista vai muito para além da pop: é uma mistura de estilos dos quais fazem parte a electrónica, o R&B e o rock, é uma explosão de energia e dança, é um reinventar da música pop. Em "Bad Friend", a cantora falou das origens da música e da amizade que perdeu por não prestar atenção suficiente àquilo que estava acontecer à sua volta. Sawayama aproveitou ainda para incluir no alinhamento uma música não lançada - "Catch Me In The Air", que fará parte do seu próximo álbum Hold The Girl, cujo lançamento está marcado para 2 de setembro deste ano. Não faltou ainda a famosa "XS" ou "Lucid", ambas do álbum SAWAYAMA (2020), e um cover de "Free Woman", do álbum Chromatica, lançado em 2020 por Lady Gaga, que fechou o concerto da melhor maneira. Rina Sawayama mostrou-se visivelmente emocionada com o público, que deu todo um novo sentido à expressão "Chosen Family": apesar de esta música não fazer parte do alinhamento, foi em Rina que muitos encontraram uma nova família e mostraram que este foi um dos concertos mais acarinhados de todo o festival. Um concerto cheio de energias positivas e amor a quem estava naquele espaço, de uma Rina à vontade com o público e com o palco, de uma artista que já explodiu mas que ainda terá espaço para crescer e afirmar-se como um dos maiores nomes da música da atualidade e do futuro. No fim do concerto, foram vários os fãs que diziam que "estavam sem palavras para aquilo que tinham vivido". 
 
Rina Sawayama @ NOS Primavera Sound 2022  
 
Slowdive são, sem sombra de dúvida, um nome querido do público português. Felizmente, não faltaram oportunidades para ver a banda de shoegaze inglesa: desde o seu regresso em 2017, a banda já fez parte do cartaz do NOS Primavera Sound em 2014, dos cartazes de 2015 e 2018 do Vodafone Paredes de Coura, e ainda abençoou o nosso país com concertos a solo em salas de Norte a Sul, também em 2018. Ainda assim, Slowdive é uma das bandas que não cansa ver e que sabe sempre à primeira vez. A voz angelical de Rachel Goswell preenche sempre os espaços onde onde é ouvida e, desta vez, os instrumentos deixaram-na um pouco em segundo plano. Mesmo que o som característico de Slowdive se apresente distorcido pelas guitarras e pelo reverb tão natural das canções que nos apresentam em álbuns como Souvlaki (1993) ou o mais recente Slowdive (2017), o som do recinto não esteve à altura desta vez. Vários dos temas apresentaram uns Slowdive com vozes abafadas e instrumentais um pouco excessivos, quase como que a rebentar as colunas. Ainda assim, o espectáculo conseguiu reunir milhares de pessoas para ver os ingleses no palco principal do festival. Num concerto que teve direito a dez músicas, o público teve a oportunidade de ouvir êxitos que pareceram escolhidos a dedo para não faltar nenhum - é o caso de "Alison", "Star Roving", "Souvlaki Space Station", "Sugar for the Pill" ou "When The Sun Hits". A atmosfera onírica que só Slowdive consegue criar foi intensificada pelas horas do pôr-do-sol, e já ao anoitecer, terminaram o espectáculo com o tema "Golden Hair", originalmente de Syd Barrett. 
 
Slowdive @ NOS Primavera Sound 2022
 

A banda australiana de indie rock Rolling Blackouts Coastal Fever (ou Rolling Blackouts F. C.) subiu ao palco Binance a meio daquela que pode ser considerada a vida útil do mesmo. Depois de Shellac e antes de Jehnny Beth, os australianos contaram com um público confortável, ainda assim não comparável a grandes nomes dos palcos Super Bock ou NOS. Já com três álbuns à disposição do público, o quinteto ofereceu rock a todos os fãs e curiosos que não preferiram a música de Beck: um dos três vocalistas explicou ao público que iam tocar some old, some new e fez uma viagem equilibrada entre os vários lançamentos. Rodeado de árvores a toda a volta, o público teve oportunidade de ouvir temas como "Talking Straight" do álbum Hope Downs (2018), "Cars in Space" do álbum Sideaways to New Italy (2020) ou "My Echo" e "The Way It Shatters", do seu último lançamento Endless Rooms (2022), que viu a luz do dia há pouco mais de um mês. A música do quinteto transporta-nos para um surf rock associado à forte presença da guitarra, de mãos dadas com o indie rock e com a dolewave scene australiana. Foi um concerto agradável, onde a cumplicidade entre os membros da banda foi notável, o que se manifestou também na sua conexão com o público. Apesar de ter sido um concerto simples e dado a uma energia mais descontraída e dançável, sem grandes aparatos em palco, a audiência não ficou indiferente à música nem ao impacto dos instrumentais levados por esta banda ao Binance.
 
 

Num palco Cupra bastante cheio, ouvia-se os fãs nas primeiras filas a gritarem “Archy! Archy! Archy” antes de Archy Ivan Marshall, atualmente mais conhecido por King Krule, começar a tocar. No dia anterior, o artista britânico deu um concerto grátis no Ferro Bar para alguns dos seus fãs que souberam a tempo e conseguiram entrar. Mal soaram os primeiros acordes de “Perfecto Miserable” soube-se que a espera por outro concerto do artista desde 2017, quando atuou no Vodafone Paredes de Coura, tinha sido demasiado demorada, algo que também o levou a ser bem recebido neste regresso e se sentiu logo nos primeiros temas. O alinhamento contou com músicas dos seus três álbuns, 6 Feet Beneath The Moon (2013), The OOZ (2017) e o mais recente, Man Alive (2020), e, ainda, canções novas que tinham estreadas no festival de Barcelona como “Flimsier”, “Peripheral”, “Tortoise” e “Empty Space Cadet”. A tocar mais algum tempo do que o esperado, pelo menos comparando a outros concertos de cerca 50 minutos, atirou-se logo aos seus ritmos um pouco mais mexidos de “Rock Bottom” e “Dum Surfer” para abrandar um pouco com os temas novos e “(A Slide In) New Drugs”. Voltou a acelerar com “Comet Face” e “Half Man Half Shark”. Pelo meio, ainda pediu ao público para dizer “olá, Marina” para a sua filha de três anos que celebrou recentemente o seu aniversário. Ainda se teve direito a um encore com a música “Out Getting Ribs”. Pode não ter sido o concerto mais efusivo de King Krule em solo português, mas deu para matar algumas saudades e ouvir tanto temas novos como os mais antigos.


King Krule @ NOS Primavera Sound 2022

 

A surpresa mais divertida e/ou a mais estranha da noite chegou com 100 gecs, a dupla formada por Dylan Brady e Laura Les, que trouxeram a sua energia chaotic good ao palco Super Bock. Para quem não os conhecia, podiam parecer a coisa mais estranha de sempre e para quem os ouve, foram provavelmente um dos pontos altos deste dia. A dupla começou por “Hey Big Man”, “stupid horse” e “Doritos & Fritos” com um fã na fila da frente a mostrar as suas duas embalagens de Doritos e Fritos, o que mostrou o que se seguia. A sua potência frenética com os decibéis elevados continuou ao som de “ringtone”, “hand crushed by a mallet”, “800 db cloud” e “gecgecgec”. Um concerto que deu para dançar, saltar, gritar e, acima de tudo, experienciar um momento diferente no meio de um festival como seria esperado desta dupla que o cumpriu bem. Quase de certeza que o público presente não se vai esquecer da estreia dos 100 gecs em Portugal tão cedo. 


100 gecs @ NOS Primavera Sound 2022
 

A vocalista da banda britânica Savages, Jehnny Beth, regressou ao festival a solo desta vez, após ter passado com a sua banda no festival em 2016, no palco Binance. A fórmula é semelhante: músicas rock, uma força poderosa em cima do palco e a artista a ir ter com o público durante o concerto, o que tem todo o seu mérito porque funciona bem ao vivo. A hora talvez não tenha sido a mais adequada, porque a plateia poderia estar mais cheia se tivesse sido um bocado mais cedo, contudo quem esteve presente teve direito a um espetáculo mais íntimo do que aconteceria possivelmente noutro palco ou até num festival diferente. O alinhamento foi composto pelo seu disco de estreia, To Love Is to Live (2020), e ouviram-se temas como “Innocence”, “Heroine” e o último “I’m The Man”. Assim, terminou a noite para estes lados.

 
Jenny Beth @ NOS Primavera Sound 2022
 
Texto: Carina Soares & Iris Cabaça
Fotos: Iris Cabaça
NOS Primavera Sound 2022: Dia 2 - o trono de Rina Sawayama NOS Primavera Sound 2022: Dia 2 - o trono de Rina Sawayama Reviewed by Carina Soares on junho 14, 2022 Rating: 5

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